O Saci-ave e o Saci-moleque

Publicado em 30/10/2023

Deborah Quintal*

Você sabia que dia 31 de outubro é o Dia do Saci e Seus Amigos? Sim! E isso inclui também os amigos estrangeiros, aqueles que vieram lá com o Raloím (ou Halloween, para os poliglotas).

Vamos falar sobre personagem Saci, que é considerado genuinamente brasileiro, ou seja, que surgiu exclusivamente em terras tupiniquins com os povos tupis e guaranis.

Na região amazônica (que inclui outros países além do Brasil), no Norte e no Nordeste brasileiros, a lenda do Saci é associada a um pássaro (cada localidade associa a uma espécie diferente).

Em todas essas lendas tupis, o personagem se destaca pelo canto melancólico, criando a onomatopeia “sa-cim” e que pode atordoar seu ouvinte, pois seu canto às vezes fica perto, às vezes longe; às vezes para a direita, outras para a esquerda; às vezes em cima, outras embaixo. Muitas vezes seu canto é associado ao prenúncio de azar e mau sinal.

Além disso, por encantamento, alguém pode se transmutar em Saci e voar durante a noite, espalhando confusões. Segundo os indígenas mundurucus, somente os feiticeiros e pajés podem se transformar em Saci.

Já na região sul do continente americano, incluindo Paraguai, Argentina e regiões Sul e Sudeste brasileiras, a lenda do Saci é associada a um moleque, o Jaxy Yaterê.

Na cultura guarani, este personagem é um jovem indígena (ou um homem de estatura baixa) capaz de fazer muitas brincadeiras de tapeação, ilusão e fingimento. Ele é invisível, mas pode aparecer para crianças na hora do cochilo e levá-las para brincar num local secreto da floresta.

O Saci era também utilizado pelos negros escravizados como responsável por toda travessura que fosse passível de punição. E é pelas histórias passadas pelas amas negras que a história do personagem se perpetuou, transformando o Jaxy Yaterê no Saci Pererê negro.

Ao perceber que toda esta mitologia estava sendo esquecida no Brasil e ainda existia muita adoração às obras e mitos europeus, Monteiro Lobato fez uma enquete no Estadinho, convocando seus leitores a enviar histórias e relatos sobre o Saci.

Chegaram muitas cartas de Minas Gerais, do Estado do Rio e, sobretudo, das diversas regiões paulistas. As histórias das cartas contavam relatos de negros ex-escravizados e empregados em fazendas. Ali personificou-se a figura mágica do menino negro de perna única e que gostava de dançar e fazer diabruras e traquinagens.

Destas cartas surgiram duas obras de Monteiro Lobato: Sacy-perere: resultado de um inquérito (1918) e o livro infantil O Saci (1921), onde o personagem é apresentado às crianças pela primeira vez!

Hoje em dia, as duas concepções de Saci (ave ou moleque) aparecem em livros infantis e devem ser valorizadas e apresentadas aos estudantes em forma de diversidade de culturas. O mito do Saci evidencia como povos originários brasileiros elaboram sua criação, com suas semelhanças e diferenças, assimilando a pluralidade cultural em suas particularidades regionais e culturais.

Esta pluralidade também pode ser apresentada por meio de outros amigos do Saci: os brasileiros – Caipora, Iara, Mula-sem-cabeça, Boitatá, Boto, Cuca, Bicho papão – e os estrangeiros – Vampiro, Lobisomem, Bruxa, Chupa-cabra, Aka Manto, Freira Nora, Boneca de Okiku –, entre tantos. Tudo junto e misturado, vivendo grandes aventuras e mantendo viva a riqueza do folclore ao redor do mundo. No meio de tantas personagens emblemáticas, o Saci se tornou uma das mais conhecidas por carregar em si muito da história brasileira e do espírito brincalhão tupiniquim e, por isso, devemos celebrar este Dia do Saci e Seus Amigos!

*Formada em Editoração (ECA/USP) e mestre em Filologia e Língua Portuguesa (FFLCH/USP). Trabalha com literatura infantojuvenil e livros digitais voltados para programas de governo, como o PNLD e o PNBE. Pesquisadora de Monteiro Lobato e membro da Sociedade Observadora de Sacis (SoSaci).

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